terça-feira, 17 de março de 2009

Nós passamos, mais ninguém passou...

Mais um fim-de-semana a convite do Rui Mesquita. Desta feita para a Suazilândia e com uma equipa diferente. Para além do piloto acompanhavam também a Liz e o Mike (dois Americanos simpáticos amigos do Rui que também vivem temporariamente em Maputo). Às 18h recolheram-se os últimos passageiros e começou mais uma (pequena) road trip.

O trânsito para sair da capital pôs em causa os nossos planos, ameaçando a nossa passagem na fronteira de Namaacha. Por esse mesmo motivo, e depois de passar a portagem da Matola, a marcha que então era lenta passou a Vivace. Levamos cerca de hora e meia a fazer o trajecto Maputo – Namaacha. A Liz e o mike encarregaram-se da banda sonora – enquanto um falava a outra baixava as orelhas e vice-versa, com uma cadência alucinante debitavam monocórdicas palavras invariavelmente sobre o tema “trabalho”. Sempre a abrir!
O primeiro way-point foi alcançado “rés-vés Campo de Ourique”. A fronteira fecha às 20h00 e nós demos entrada às 19h55m. Ainda assim corremos o risco de “bater com o nariz na porta” da alfândega Swazi, sob pena de passar a noite em território neutro – uma vez fechada a alfândega as portas de ambos os países fecham-se e só voltam a abrir às 6h00 do dia seguinte. Nós passamos. Nesse dia, mais ninguém passou.
Entrados no reinado da Suazilândia as diferenças sucediam-se vagarosas: As estradas carentes de buracos eram perfeitamente compensadas pela quantidade de lombas (leia-se, estrutura convexa em asfalto de quinze centímetros de altura que barra a passagem de uma ponta a outra); a quantidade de vacas no meio da estrada fazia jus à reputação Swazi de exportador de carne, e prometia um fim-de-semana de tirar a barriga de miséria; mais curvas; menos gente ou quase ninguém a caminhar no meio e na berma da estrada; organização das culturas agrícolas; auto-estradas; etecetera.
Chegamos ao nosso destino (Mbabane) duas horas mais tarde. Cheios de larica, parámos no primeiro restaurante que conseguimos aberto – Nando’s (resposta do português Fernando ao império Kentucky Fried Chicken). Carregaram-nos o frango de picante e metade da tripulação andou duas horas a saber da barriga.
A nossa estadia na Suazilândia estava garantida pela Liz e pelo Mike. Antecipadamente, tinham reservado o sofá e quatro metros quadrados de chão na casa de umas amigas americanas que trabalham em Mbabane. O encontro com as anfitriãs foi num bar/discoteca de Manzini. Passei algum tempo a conversar com um local, que ao contrário do ambiente aparentemente hostil me recebeu com simpatia e paciência de santo – a tertúlia, sobre o país e a SIDA (e mais tarde sobre racismo), prolongou-se até à hora de abalar.
Para o dia seguinte estava reservado um concerto na “House on Fire” – complexo turístico ou de ócio onde se realizam mensalmente bons concertos. Chegamos por volta das 13h para o brunch. O espaço era bastante aprazível. A partir do alpendre onde comemos, estendia-se um grande relvado (onde em Junho está repleto de gente no “Bush fire festival”) que terminava com um grande campo de milho. Um pouco mais ao fundo, algumas montanhas, bem recortadas, davam conta de que não estávamos em Moçambique. Eu e o Rui pedimos um bife de vitela grelhado que estava delicioso.
Ao terminar a refeição fui à casa de banho fazer o que tinha a fazer. Ainda que o pormenor possa parecer perfeitamente dispensável, o momento de verter águas revelou um detalhe importantíssimo. Na mesma parede que segurava o urinol jazia uma placa que dizia “Jimmy Carter, President of the United States of America, Stood here” – em Português, o Jimmy Carter mijou aqui. Acabei o serviço e saí da casa de banho ainda com um sorriso nos lábios.
A House on Fire tem vários espaços: parte de restauração onde existem vários menus para degustação volante, uma área na parte exterior (à semelhança do raio que o parta) para os mais novos fazerem barulho à vontade, uma galeria de arte (com uma exposição de escultura em madeira de se lhe tirar o chapéu), uma zona lounge, o bar propriamente dito, e a área principal era constituída por um palco abraçado pela pista e bancadas ao jeito de anfiteatro – para os mais românticos e privilegiados havia ainda uma espécie de camarotes suspensos com mesa e luz de vela.
O concerto, principal, começou 16h depois de terminar uma boa massagem, que durante vinte minutos e por apenas 5€ me dei ao luxo de desfrutar. O protagonista deu entrada no palco. A avaliar pela recepção apoteótica depreendi tratar-se de gente famosa e de craveira internacional. O que é certo é que, a começar o segundo tema, os que estavam nas bancadas deixaram os seus lugares aparentemente cativos para se cravarem com unhas e dentes na pista de dança. Volta e meia, o artista para animar o público (ou talvez para seu próprio regozijo) perguntava ao público se “the house is on fire?”, ao que os bailarinos em êxtase respondiam com assobios, palmas, gritos e sobretudo “yeahhh”. Foram algumas horas de concerto e bailarico pela tarde (e noite) dentro. Regressamos a casa convencidos que o dia estaria para romper – era apenas uma da madrugada.
Supostamente, a manhã seguinte seria dedicada a um parque natural. A chuva trouxe preguiça e embalou-nos na cama (leia-se chão) até à hora de almoço. Almoçamos no Royal Swazi Hotel – unidade hoteleira, pérola da Suazilândia, constituída por hotel, spa e casino. Comi um naco de vitela de chorar por mais, por tão só $5.
Depois do repasto fomos dar um mergulho numas piscinas naturais de água quente – as piscinas não eram naturais, ao contrário do que nós pensávamos. Eram de betão bem armado. A água, essa sim, saía da terra a 30ºC. O que proporcionou uma breve pausa de relaxamento ao mesmo tempo que trocava umas impressões com um aquista local.Ainda houve tempo para visitar um pequeno parque natural (Mantenga National Park) onde tivemos a oportunidade de contemplar (a meia distância) as “Mantenga Falls”. O sossego envolvente e o cenário natural fizeram com que o tempo passasse num ápice. E o horário rígido da fronteira ditou a hora imediata de partida. Recolhemos as trouxas e pusemo-nos ao caminho com a mesma pressa com que viemos. Chegamos à fronteira às 19h55m. Nós passamos. Nesse dia, mais ninguém passou.

Um comentário:

  1. Inveja..coisa má. Mas é o que sinto. Tomara ter sido colocado nessa terra prometedora em detrimento desta cidade de betão e tecnologia, de toupeiras carregadas nas suas barrigas de gente mecanizada, escrava da modernidade, onde um homem pode estar sozinho, paradoxalmente, no meio de dez milhões...
    A inveja..
    Tozé Tenente

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