quinta-feira, 21 de maio de 2009

Road to nowhere

É por vezes desconfortante a vulnerabilidade que a solidão me sujeita. Despersonaliza as minhas acções e ofusca os meus objectivos. O carácter, outrora bem definido, dilui-se na desconfiança que o meu ego gradualmente reconhece.
A ausência de estabilidade emocional proporciona-me profundos exercícios de valor e com eles largas horas de dúvida e desconsolo – nada corre como deveria correr.
E o tempo passa…
Não sei. Não faço a mínima ideia do que quero...
Este vácuo de sustento emocional faz-me perseguir e inventar cumplicidades em personagens que nada se assemelham à original. E insisto. E chego a acreditar! E logo caio. Tirem-me daqui! – Suplico às vezes, não sei bem a quem, na expectativa de encontrar uma solução geográfica para um problema de carácter intangível.
Esta concepção labiríntica da paixão desnorteia o caminho que, em longínquos momentos de lucidez, escolheria para mim. E para ti.
Não sei para onde vou… Ninguém sabe…
Troquei-te, justamente, por outra dimensão, por outra inspiração, égide de investidas mais ousadas. Por um colosso imaginário, esculpido apenas com as tuas virtudes, que me serve de orientação, por vezes falsa, no meu calvário emocional.
Doce… Amargo… Doce… Amargo… Eterna dicotomia que me obriga a degustar todos os paladares da vida. Sorrir, chorar, aprender, avançar, retroceder, evoluir. Viver!
É este barómetro emocional, quando em valores altamente acrimoniosos, que regista níveis de criatividade estonteantes e precipita-me em textos desconexos que só para mim constituem coerência.
Estou bem. Vivo bem. Não obstante, fazes-me falta.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Alunagem

Versão audio, narrada por Miguel Guilherme para o programa da Antena 1 - Histórias Devidas.

Autor: António Ferreira Lobo

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Alunagem - The Jorge's Code

Fazia propósito de me explicar há mais tempo, aliás, pensei fazê-lo como texto introdutório deste memento electrónico. No entanto, à sombra do “faz para amanhã o que podes fazer hoje” que desde há muito é meu apanágio, fui protelando a inevitável explicação do título do meu blog.
Aproveito oportunamente o momento, seja pelas saudades que tenho da minha família, seja pelo confronto obrigatório com malogradas condutas de muitos que me rodeiam, para fazer chegar ao leitor o significado, para mim, de Alunagem.

Era primavera e corria o ano da graça de 1970 – assim introduz, propriamente, o texto que dá vida a mais uma, das muitas, pitorescas histórias que o meu Pai foi coleccionando ao longo da vida e felizmente vai partilhando com os mais próximos – precioso legado que orgulhosamente também vou compartindo com aqueles que julgo serem merecedores e que pauta as minhas deliberadas e inocentes asneiras na esperança de uma dia, acrescentar, com mestria semelhante, outros episódios no portfolio do meu progenitor. É portanto, este título, mais do que uma filosofia de vida um tributo ao meu Pai.
O assunto da ordem do dia, podia ser outro – o fim dos Beatles, a reorganização do partido do proletariado, especular sobre a saúde do ditador, a guerra fria, versar em jeito de homenagem póstuma a Almada negreiros, o “FêCêPiê”, enfim, àquela adiantada hora em que se tertuliava, ao sabor de outros sabores, naquele restaurante da urbe tripeira, havia pano para mangas. E o debate era autoritariamente moderado pelo Dr. Jorge que divagava displicentemente sobre a recente questão da alunagem.
Cada um aluna como gosta e como pode, sempre que pode – antecipava assim, o advogado da invicta, a conclusão do debate/monólogo. Frase de génio (dependendo da interpretação, claro)!

Eu pessoalmente associo a palavra a uma viagem planeada mas cheia de incertezas. Todos nós vamos alunando como gostamos e como podemos, sempre que podemos. E essa viagem não tem necessariamente que ser física – pode ser virtual, emocional, sensorial, etc. - sempre e quando nos aventuramos por caminhos que não dominamos totalmente. Eu por exemplo alunei aqui em Maputo. Já alunei noutras luas e cenários. Como pude! E há que saber lidar com as adversidades que surgem e sobretudo saber respeitar o espaço do próximo – só dessa forma a minha consciência me permite alunar como gosto, sempre que posso.
Maputo empresta solo a muitos astronautas que não sabem, ou não querem, alunar como manda o código – the Jorge’s code. Recusam-se a cumprir as regras mas condenam outros por semelhante incumprimento. Saltam valores e princípios básicos de co-habitação nesta lua que é Maputo. Doutos em hipocrisia são olimpicamente incoerentes nas suas acções e justificam-se com execranda verborreia que me entra por um ouvido a cem e apetece sair pela mão, certeira, a duzentos, mesmo na focinheira dessas pobres ratazanas. Não sabem alunar, saberão talvez aterrar, e mesmo assim muito mal.
Faço votos para que este pequeno parágrafo sirva de carapuça a esses eternos aspirantes a Neil Amstrong, e quem sabe, dependendo dos respectivos coeficientes de inteligência e bom senso, arrepiar caminho - Esse não é o caminho, e esses reles passos não farão de modo algum fazer saltar a humanidade (apenas o revés).

Posteriormente publicarei o podcast onde o notável e divertido Miguel Guilherme narra na íntegra o episódio que deu origem a este artigo, mais tarde publicado por Edições ASA em Histórias Devidas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sinabonani




As viagens ao fim-de-semana sucedem-se naturalmente, cada vez mais. A proximidade e multiplicidade de destinos raramente deixam espaço e tempo para o descanso (ou não) na capital. A surpresa e espanto, seja numa paisagem, num animal, numa praia, num novo amigo, num gesto, num repasto, ou num cheiro, começa a ser um hábito. E é essa agradável conotação banal das minhas últimas experiências que desculpa o descuido no registo electrónico.

Maputo é uma cidade relativamente grande. No entanto, a diferença de “castas” reduz a massa de habitantes a um círculo reduzido e restrito de pessoas, maioritariamente estrangeiros e Portugueses. E apesar de constituir uma ferramenta essencial de trabalho (bons contactos, fácil acesso a informação privilegiada, entreajuda profissional, vantagens comerciais, etc.) pesa no mesmo valor (inverso) pela falta de privacidade social. Maputo não é própria para incautos crónicos da flatulência – por outras palavras, não se pode dar um peido sem que o resto da comunidade saiba, comente e opine.
Na sua grande maioria, estes atentos repórteres da vida alheia, com promitente carreira num “24horas”, “o crime” ou pasquim de calibre semelhante, respiram a vida dos outros e fazem questão de a partilhar a quem estiver à mão de semear. De fazer inveja a muitos talk shows pós-prandiais “del corazón”, que eu tanto critico e abomino, a rapaziada do “diz que diz” vai aproveitando para se auto-promover através das fraquezas, na maior parte das vezes especuladas, dos seus amigos e conhecidos. É um exercício comum, odioso e perverso, com repercussões muitas vezes irreversíveis na promessa “life quality” que a capital indicia à chegada – talvez o maior defeito de Maputo (não dos Maputenses).

Enfim, será um bom objecto de reflexão para um próximo artigo. Servem apenas os últimos parágrafos para excluir alguns dos meus amigos, nomeadamente e sobretudo a companhia deste último fim-de-semana, da frívola classe que referi anteriormente.
O primeiro de Maio serviu de pretexto para um festival de reggae na Suazilândia. Não tanto pelo festival, mais libertino que liberal, e por isso um pouco fora do enquadramento da ordem do dia (1º de Maio), aproveitei a dica para viajar novamente até ao diminuto país vizinho, em boa companhia.
Chegamos com tempo suficiente para encontrar um alojamento para o fim-de-semana e fazer algumas compras de supermercado antes de entrar no recinto do espectáculo. De sublinhar a qualidade e variedade de produtos, por comparação a Moçambique, que encontramos naquele supermercado – senti-me como um miúdo africano no “toys r us” ou de regresso, por momentos, ao meu insubstituível pingo doce. As meninas aproveitaram para comprar adereços para entrar em apoteose no recinto festivo – um espécie de bandolete/coroa com luz intermitente, bem ao estilo de miss universo (versão pimba).
Ficamos alojados no Legends, um backpackers de baixo orçamento (vulgo, pardieiro) onde iríamos partilhar camarata e ressonâncias com mais sete pessoas (isto é, dez pessoas em cinco beliches). Enchemos a blusa com duas ou três sandochas cada um e seguimos para o “One Love Festival”.
As minhas expectativas não eram muito altas quanto à qualidade das bandas e talvez por isso tenha voltado a casa com surpresa positiva. Apesar de ter um grande apreço pelo seu impulsionador (ou talvez fundador) Bob Marley e alguns dos seus mais recentes seguidores (Patrice, Jason Mraz, Julian Marley, Manu Chao, etc.), o reggae não faz parte das minhas escolhas favoritas. Serviu por isso, também, para aprender alguns pormenores sobre o estilo musical e religião adjacente – Stolen from Africa, brought to America.
A casa (Old Greyhound Stadium, em pleno vale de Elzwini) estava a um terço da sua capacidade máxima. O ambiente era descontraído, por vezes demasiado, fruto do ritmo da música e dos estupefacientes consumidos compulsivamente pela grande maioria - indissociáveis da religião rastafari.
Depois de jantar e da retirada do casalinho paulista voltei a aproximar-me do palco. Recebi com surpresa a deliciosa actuação duma intérprete local, com quem mais tarde tive a oportunidade de privar e trocar algumas impressões. Depois disso ainda insistimos ficar mais mas o cansaço forçou-nos a recolher aos nossos precários aposentos (que naquela noite tiveram sabor de figo).
No dia seguinte acordámos quando acordámos. Sem hora marcada e sem plano bem definido.
Na Swazi existe um leque de actividades para preencher as horas vagas dos turistas. Nesse aspecto, e noutros também, está muito melhor preparada que Moçambique. Dos variadíssimos programas (rafting, caving, quad, game view, horse riding, etc.) optamos pelo Bike Safari – e foi tiro certeiro para animar a tarde de sábado. Infelizmente não tivemos a companhia do quinto elemento que, à luz da famigerada filosofia “amigo não empata amigo”, comungada pela totalidade do grupo, nos preteriu por um programa alternativo (we missed you, dulcinea del toboso).



Começamos a nossa tour, atrás do simpático guia “Sito” (em inglês gift, frisou) sem saber muito bem o que nos esperava. Partimos com a ajuda de todos os santos até chegar à primeira subida que anunciava a chegada da primeira aldeia. Assobiei por momentos o tema do “Verano Azul” mas ninguém acompanhou, talvez por desconhecimento, fruto da idade ou proveniência, ou simplesmente pela falta de fôlego. Lado a lado com o guia fui aprendendo e pondo em prática algumas palavras no dialecto local. Os nativos respondiam com orgulho e espanto aos meus cumprimentos recém-assimilados – fui despachando “Sinabonani” (how are you, segundo Sito) a todas as pessoas com que me cruzava. Depois de várias pedaladas demos entrada na reserva natural do vale de Elzwini onde o Sito nos fez uma pequena introdução ao nosso passeio. Soubemos alguns pormenores sobre a família real Swazi (costumes e rituais) e sobre o que poderíamos encontrar na reserva. De registar o adereço que cobre as vergonhas masculinas dos nativos – uma bola oca, com orifício à medida para o dito cujo – que deixou alguns dos presentes de boca bem aberta. O guia, ante a surpresa da Filipa pela dimensão do ornamento (muito semelhante a uma bola de golf e orifício de diâmetro impróprio para africano – não cabia o dedo mínimo) acrescentou que havia outros tamanhos com sorriso viril e orgulhoso.
O safari propriamente dito foi uma experiência excepcional. Para além de ser o meu primeiro, a proximidade que a bicicleta proporciona (ou obriga) com os habitantes do parque (veados, gnus, zebras, hipopótamos, crocodilos, javalis, etc.) deu um toque especial ao meu baptismo. Com o ameaçar do crepúsculo, regressámos em marcha “presto” sob pena de não enxergar o caminho de volta.
O jantar foi no Malandela’s. Tiramos a barriga de miséria com um bom naco de vitela, amparado por um shiraz sul-africano, enquanto recordávamos a fresca experiência da tarde. Aproveitei para verter águas, pela segunda vez, onde outrora o Jimmy Carter deu o ar da sua graça (ver artigo “nós passamos, mais ninguém passou). A soirée seguiu-se no hostel no mesmo registo do jantar. Tivemos ainda a companhia de um norueguês que passou e ficou. Acabou por ser o centro das atenções, quer pelo figurão, quer pelos temas absurdos e surreais, quer pela pelo jeitinho propositadamente “maricôncio” (presumo que, na expectativa de encontrar afinidade com algum dos presentes).
No domingo partimos, sem pressa, para Maputo. A meio da viagem fizemos um desvio, ainda na Suazilândia, que daria lugar ao meu segundo safari. Entramos noutra reserva natural, desta feita na expectativa de encontrar o rei da selva. Apesar de não descortinarmos nenhum felino valeu pelo encontro com alguns portentosos rinocerontes.
Continuamos para Maputo, com pausa obrigatória e prolongada na fronteira, bem ao estilo Moçambicano. Cheguei à capital com mais uma excelente experiência no palmarés e somei algumas cumplicidades que vão cimentando a amizade que tenho por aqueles que me acompanharam (tks).