quarta-feira, 1 de julho de 2009

Algo se muere en el alma



Recordo continuamente uma sms que recebi por volta do fim de ano, não sei ao certo qual ano, que de forma peculiar resumia amizade. A quadra natalícia é propensa ao consumo em massa e, nos últimos anos, à troca desmesurada de mensagens. Os minutos que antecedem a efeméride são marcados tipo sinal horário pelo meu telemóvel que apita sms como se não houvesse amanhã. Nunca respondo. Essa mensagem dizia: Os amigos são como as nádegas, merda nenhuma os consegue separar.
Essa pitoresca clareza sobre amizade e estima, recebida mais de uma dezena de vezes nessa mesma noite, ficou cravada na minha memória como se fosse uma daquelas músicas que ouvimos apenas uma vez e passamos dias a trautear contra a própria vontade. Não obstante, inseparáveis só mesmo as nádegas. Os amigos separam-se sempre, inevitavelmente, até mesmo em pensamento.



Há três anos que estou fora de Portugal.
Tenho conhecido muitas pessoas interessantes. E são essas coexistências que dão significado à vida errante que decidi para mim. Experiências que moldam a minha personalidade e desviam o meu caminho daquilo que, imediatamente antes do convívio, julgava certo. Recordações que ficam inscritas no pensamento e que revejo a meu bel-prazer, bastando um aroma, música, silêncio, objecto, paisagem, palavra, frase, gesto, sorriso, fotografia, filme, etc., em jeito de catalisador para me despertar a memória.
Nada é eterno, só o tempo. Servem-me de consolo as reminiscentes vivências que vou coleccionando na minha vida, estupidamente minúscula.
Apenas me revolta a dificuldade que tenho em lidar com a separação, com o inadiável e impiedoso adeus. Em aceitar a passagem, a fase. Em reconhecer a solidão inalienável da condição humana. Em voltar a mim. Em não saber usar instantaneamente as boas recordações.
E revolto-me!
Onde está o Yan Tsen Yuh (Mario), pequeno agitador do universo, esse meu querido amigo chinês que me proporcionou deliciosos manjares e risotas do mesmo calibre? Onde está o Nicola Monaco, siciliano que me apresentou os prazeres do Nero D’avola e me ensinou a degustar parmigiano com mel, numa tarde que nevava em Parma ao som de Diego el Cigala e Bebo Valdés – En la vida hay amores que nunca pueden olvidarse? Onde está o Gustavinho, exímio narrador do “show dji bola” e companhia inigualável de roadtrip – é o tic-tac do tempo, o toc-toc da bola, é fogo no aventáu do pasteleiro? Onde está a Maylo? E as Marias, Mancha, Rodriguez, e Europa? E a Mercedes? Onde está a Berta, vicina del mio cuore? E o Carlitos Ribes? Ou o Eloy?

A todos eles afiancei amizade eterna, repetidos reencontros, troca de correspondência assídua, e um sem fim de promessas que, à partida, nunca seriam cumpridas – e não foram. Só naquele momento de despedida, perdidos na envolvente narcótica de “Cuando un amigo se va, algo se muere en el alma”, é que nos recusámos a perceber essa evidente conclusão de mais uma etapa da vida - é tão difícil interiorizar o fim!
E esperamos. Em anseio esperamos que o tempo cure essa necessidade imediata de reviver esses bons momentos - e ele cura, lentamente. E àqueles que temos a sorte de rever, um dia mais tarde, reservamos a explosão de emoção e alegria. As memórias. As cumplicidades que se decifram apenas com dialecto ocular. Que perguntam “lembras-te?”. E alargados e coniventes sorrisos acompanham, em câmara lenta, um bom convívio de reencontro. E chega a maturidade da relação.


Até já Pião!