quinta-feira, 26 de março de 2009

Cidadania participativa a 10.000Kms de casa

Na quinta-feira passada fui a um fórum no consulado Português a convite da Dra. Graça Gonçalves Pereira, Cônsul Geral em Maputo, e com a chancela da comunidade “Star Tracker” da qual faço parte desde a minha estada em Madrid. O tema era “Cidadania participativa a 10.000Kms de casa”.

A reunião foi em jeito de tertúlia onde o organizador, após breves comentários e sugestões, assumiu o papel de moderador deixando a palavra ao sinal de um levantar de dedo. Alguns falaram mais do que outros mas não houve quem da palavra tomasse posse definitiva. No meu caso, ainda que com alguma inquietação no indicador para içar em riste, reservei-me ao silêncio mas não à escuta e consequente exercício de opinião.
Os temas abordados foram, na minha opinião, bastante pertinentes ainda que as discussões de quando em vez fugissem para outros quadrantes um pouco distantes do tema principal. No entanto, o facto de se debaterem temas relacionados com o nosso País fez, por si só, com que exercitássemos o objecto da ordem do dia.
Afinando pela frequência da Sra. Cônsul, que lançou a perspectiva do exercício da cidadania associada à preocupação e manutenção da boa imagem do país no estrangeiro, queria registar a minha modesta opinião sendo que me parece pertinente por observância de alguns comportamentos menos nobres, cá em Moçambique, que contrariam os maduros conselhos da Dra. Graça.
Poderia dar exemplos concretos para dar continuidade ao meu parecer. Alternativamente, reportar-me-ei a uma pequena experiência pessoal para não correr o risco de sair machucado pela mão dos que, seguidamente, lhes sirva a carapuça.

Há um ano e meio, em Madrid, acabava de entrar no prédio duma amiga, sito na Ortega y Gasset (umas das ruas mais famosas da capital onde têm lugar as mais luxuosas e caras lojas prêt-à-porter, situada no afidalgado e conservador bairro de Salamanca). À minha frente subia as escadas do hall de entrada uma senhora, Espanhola, que transportava com dificuldade algumas compras. Prontamente, voluntariei-me a fazer o trabalho que os mínimos da educação exigem. Ao encontrar o elevador avariado, não me restou alternativa senão perguntar à senhora qual o andar do seu apartamento. E Ganhei uma viagem ao sétimo sem saber ler nem escrever. Ao chegarmos à porta a senhora puxou da carteira para me pagar o frete, ao qual eu, raivoso, devolvi um “não” delicado com uma cara e tom hipocritamente angelical. Perguntou então se eu não era romeno, como que procurando uma justificação para a minha atitude, para ela incompreensível, mas cavalheira. Respondi negativamente e acrescentei que era Português. Seguiu-se um “Joder!” (impropério proferido por qualquer Espanhol que se preze, desde o “carretero hasta la reina”) de surpresa seguido de uma forte gargalhada como que se tivesse encontrado algum cão com asas (vulgo, Português educado). A cólera que se apoderou de mim foi amparada pelo sentido de cidadania que me persegue – desconversei educadamente, despedi-me da mesma forma e fui pregar para outra freguesia. Aos reencontros que se seguiram tive direito a distintos cumprimentos, dignos do estatuto de Português que orgulhosamente faço questão de levar para toda e qualquer parte.

No meu entender, da mesma forma que temos o privilégio (pelo menos para mim) de sermos Portugueses também carregamos às costas o fardo da conservação, ou neste caso melhoramento, da imagem do nosso rico país – não se julgue, que está apenas em jogo a nossa reputação individual. Há direitos e obrigações. Seja em Espanha, ou em qualquer outra parte do mundo. Com brancos, pretos ou amarelos.
Cá por Moçambique, como se não bastassem as sequelas da nossa História em comum, observam-se com frequência Portugueses com uma invejável taxa de prepotência e soberania, com atitudes execráveis, desde o menos nobre ao vergonhoso e puritano. Com repercussões directas e imediatas no comportamento dos Moçambicanos em relação aos próximos “tugas” que se lhe atravessem.
Exige-se respeito, muito para além da inquestionável boa educação, relativamente ao país e aos que fielmente o representam. Todas as acções têm consequências e só as boas interessam, sendo que as más não constituem, nesta matéria, exercício de cidadania.


Seguiu-se a bonança ao “Brainstorm” privado e a convite da anfitriã deixamos o consulado para continuar o convívio, agora de forma mais descontraída e com direito a repasto volante. Aproveitei para privar com variadíssimas personalidades, faltando apenas a prometida presença do produtor Galvão Teles (Fados) que se encontrava em Moçambique a rodar “o último voo do flamingo” baseado no mesmo romance de Mia Couto. Já para o fim fomos brindados com um momento musical, a solo, de violino. Assistimos com prazer num ambiente que lembrava o “cucurrucucu” do Caetano interpretado para o filme “Hable com ella”.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Bilene

O consenso era geral em relação ao tipo de viagem que se pretendia – Sol e Praia. Apenas não havia unanimidade relativamente ao destino nem a forma para alcançá-lo. O grupo dividiu-se em dois, um para a Ponta do Ouro e o nosso grupo para o Bilene.

A excitação começou na manhã de sexta-feira, quando eu e o Pedro Atanásio nos comprometemos a alugar uma mini-Van sem saber à partida quantas pessoas iriam alinhar na aventura - na pior das hipóteses íriamos os dois confortavelmente sem necessidade de alugar casa. Elaboramos as nossas listas de candidatos e começamos a entrar em contacto com os possíveis interessados. A Virgínia, a Thais, o Gabriel (o blogador) e o Hugo foram os primeiros a por o dedo no ar. Mais alguns se seguiram e mais tarde desistiram. Éramos seis. Poucos mas bons.
Saímos de Maputo às nove da noite sem saber onde iríamos “pendurar o pote” à chegada. A viagem que seria de uma hora e meia levou quase três. Talvez pela falta de experiência do único (solícito) condutor em automóveis de volante à direita, pela dificuldade da estrada, pela falta de luz, ou pelas paragens que a polícia nos obrigou a fazer (sem sucesso, graças aos nossos ricos passaportes diplomáticos), chegamos ao Bilene à meia-noite.
Corremos quase todos os complexos turísticos abertos aquela hora – três, o cálculo perfeito do criador, e ao terceiro foi de vez. Alugamos uma casa no “resort” São Martinho, antigo complexo de férias para os trabalhadores dos caminhos de ferro de Moçambique (CFM). O sítio era, segundo os guardas, seguro. Vedado e vigiado por vários guardas, tantos como as casas do complexo, todos eles apetrechados com as respectivas armas (espingardas, shotguns e AK47 – presumo que atribuídas por ordem hierárquica), desconfiamos até tratar-se de uma antiga base militar.
Nós ficamos com a casa 36, a mais alta do complexo e por isso com as melhores vistas sobre o lago que estava mesmo ali a cem metros. Dois quartos, duas casas de banho, cozinha, camas para todos, e um alpendre com mesa corrida que naquela noite dava para o céu estrelado e convidava a uma cervejinha. Tudo por cinco mil meticais o fim-de-semana (12€/noite/pessoa).
Um dos guardas, o Arcanjo (assim se chamava), ganhou logo a nossa confiança pela amabilidade gratuita demonstrada desde que entramos no São Martinho. Ajudou-nos a carregar alguma bagagem, acompanhou-nos em todo o processo de check-in, e até nos fez escolta na zona de diversão nocturna local onde fomos apenas buscar gelo. Agradecemos com um convite para integrar a nossa comitiva durante o fim-de-semana. E agora com cinco marmanjos, um Arcanjo (com Kalashnikov) e um Gabriel, nem Deus se atreveria a por em causa o nosso fim-de-semana.
Essa noite foi o ensaio geral para a “Saturday night fever” que se avizinhava. O Pedro estreou a guitarra como manda a cartilha. Passamos um serão agradável de música ao vivo e Laurentinas Q.B.. Alguns ficaram até ao nascer do sol e outros continuaram.
O Bilene é uma pequena povoação que, por ignorância, empresta o nome a toda a envolvente limítrofe. À semelhança da lagoa de Albufeira, trata-se de um lago de água salgada separado do mar por uma barragem natural de areia. A praia, de mar, é apenas acessível de todo-o-terreno ou de barco. Nós, por imposição, optamos pelo barco.
Pelas dez horas da manhã já o Arcanjo tinha regateado o preço com o Mário, que viria a ser o nosso skipper de serviço nos dois dias de praia. Tratado todo o processo de logística (Comidas, bebidas, cooler, grelhador, carvão e toalhas) pusémo-nos a milhas. Poucas milhas, apenas as que atravessam o lago de uma margem a outra, até chegar à praia. À nossa espera estava a única árvore da praia. E nós não nos fizemos rogados em aceitar o regalo.
Nessa manhã, nós e os caranguejos, inauguramos os banhos durante vários minutos (ou horas). Só os sinais de fumo, emitidos pelo frango no churrasco que o Gabriel começou a preparar, fizeram a malta sair da água - só um Brasileiro para se lembrar de levar grelhador e arca frigorífica (em Brasileiro, cooler) para praia – Saravá.
Já levávamos dois frangos no marcador quando chegou o segundo grupo (Ana Cruz, João Palminhas, Nuno Rocha, Nuno Figueiredo e Raquel Viana). O Arcanjo imediatamente, através das suas “conections”, reservou a casa do lado para os recém-chegados. E continuamos uma tarde agradável entre o mar e a lagoa.
Às cinco da tarde, o Skipper avisou que estava a chegar a hora. Justificava o precipitado regresso com as redes dos pescadores, que a partir das seis da tarde tomam conta do lago e não deixam passar mais barcos. Voltamos a carregar tudo para o barquito cor-de-rosa do Mário e recolhemos para o lado de lá. O grupo dividiu-se em dois: uma parte foi ao mercado comprar peixe, camarão e cervejinha (tentem ler com sotaque brasileiro); a outra voltou à mansão 36 preparar a chegada dos que foram ao mercado (entenda-se, descansar, comer e preparar o grelhador).
O jantar não tinha hora marcada. Fomos comendo à medida que os peixes saltavam do grelhador para a mesa. Nos intervalos, uns camarões cozidos (40 paus o quilo – 1€) para não dar descanso ao dente. Para alguns privilegiados houve caipirinha preparada pela Thais.
Seguiu-se o concerto do Pedro Atanásio – entre músicas que fizeram um e outro dar o ar da sua graça, aproveitou para lançar alguns temas novos e recordar outros tantos da sua autoria. Cantou, encantou e desencantou maneira de empandeirar os convidados do Gabriel, que apareceram e não pareceram estar acostumados léxico do cancioneiro do Pedro. Tudo sem sobressaltos – Good Vibes!
Findo o concerto fomos explorar a zona de diversão nocturna dos locais. Os mesmos que passados poucos minutos nos aconselharam a afectuosamente a abandonar o local correndo o risco de sair de lá com uma mão à frente e outra atrás. Seguimos a sugestão ainda que fora de tempo. Na ausência do nosso (Arc)anjo da guarda houve pelo menos um elemento que não voltou com todos os pertences para casa.
Não contentes com toda a farra, fechamos a noite com um mergulho geral no lago sob o céu vertiginosamente estrelado.O dia seguinte seguiu-se igual ao anterior apenas sem a agradável companhia do Arcanjo. Durante a tarde choveu cerca de meia hora e nós abrigamo-nos na água. O regresso de barco relembrava a viagem que faltava fazer para Maputo e a semana de trabalho que se lhe seguiria. Pegamos nas trouxas e zarpamos. Não sem antes deixar uma palavra de apreço e um abraço do mesmo calibre ao anfitrião abençoado.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Um tiro no pé!

Era a minha segunda semana em Maputo. Jantava na cervejaria Cristal como vinha sendo hábito desde que cheguei. Bife de lombo de Vitela grelhado médio como é habitual. Servido à mesa pela encantadora e cobiçada Marta. Tudo se faz vagarosamente, bem ao jeito Moçambicano. Sem pressa. Bem como as conversas dos presentes, sobre tudo e sobre nada, apenas para fechar o dia de trabalho em boa companhia. Estaríamos a rematar a refeição quando a festa começou.


A cervejaria cristal é um restaurante Português (de Portugueses) bem conhecido da metrópole sito na artéria principal da cidade – que a cruza de uma ponta à outra e provavelmente a mais movimentada. A Avenida 24 de Julho, contrariamente aos nomes das restantes ruas que no seu conjunto formam uma autêntica enciclopédia sobre história de personalidades comunistas, deve o seu nome à nacionalização da educação, saúde e justiça em 1975 pelo então presidente Samora Machel.
Normalmente comemos na esplanada da cervejaria. Cá fora está-se melhor – vê-se gente a passar, o ar corre e não é artificial, e tudo que se quiser comprar está ali à mão de semear. A esplanada está disposta paralelamente à avenida e delimitada por um pequeno muro que, sobretudo nas refeições da tarde, escuda os lambareiros das ofensivas dos vendedores ambulantes. Nesse jantar sentamo-nos por ordem aleatória numa das mesas. A mim tocou-me uma cadeira de costas para a estrada.
Os cafés já tinham sido pedidos e eram aguardados sem sobressaltos. Sem aviso nem razão aparente começaram-se (comecei) a ouvir foguetes. Nesses poucos segundos que separavam o primeiro do quinto foguete, tive tempo para pensar porque raio estariam a lançar foguetes no meio da semana, porque estariam tão próximos, porque o estalar não era tão familiar como os que costumava ouvir no meu País (sempre em festa), porque fugira a adorável Marta para dentro do restaurante, porque raio as pessoas da esplanada se tinham lançado para o chão – É impressionante a quantidade de coisas que podemos equacionar em fracções de segundo! Mesmo assim, consegui ser o mais atrasado do grupo a perceber que não se tratavam de foguetes. Limitei-me a copiar os meus amigos e servi-me do muro como se de uma trincheira se tratasse. Passaram mais vinte foguetes até que, por associação ao efeito Doppler, depreendi que o fogueteiro ou estaria longe, sem munição, ou a carregar a arma. Foi tudo tão rápido que nem deu para assustar. A esplanada recompôs-se. A Marta apareceu. E nós voltamos a sentar-nos.
Ao que parecia, segundo aqueles que não estavam de costas para a avenida, tinha passado um carro com bastante pressa, perseguido pela polícia e pelas balas das suas kalashnikov. A AK-47 (ou Kalashnikov) faz parte da farda da polícia moçambicana bem como da bandeira nacional, que ironicamente traça uma cruz com uma sachola símbolo do trabalho e da produtividade (e como se não bastasse ostenta um livro por trás, que eu, talvez por ignorância, associo a sabedoria, conhecimento e educação).
Para a polícia moçambicana é indiferente que se cruze alguém na estrada enquanto persegue o suposto criminoso bem como, neste caso, os clientes da cervejaria cristal. Importante é apanhar o fugitivo mesmo que para isso fuja um projéctil para alguém que nada tem a ver com o assunto – isso são danos colaterais, vicissitudes da luta contra o crime.
Uns minutos mais tarde vimos regressar o carro da polícia ao local do crime – mesmo ali ao lado da cervejaria. Como bons curiosos (leia-se Portugueses) eu e o Rui fomos espreitar para perceber o sucedido. Ao aproximarmo-nos da carrinha da polícia estava um rapaz (entre os vinte e os trinta nos de idade) alvejado num dos pés donde escorria sangue e pintava parte da carrinha. Parecia conformado com a situação. Talvez pensando em finais mais trágicos que lhe podiam ter calhado na rifa.
Nessa altura perguntava-me como teria sido possível ser atingido no pé sendo que o carro dele era o que liderava a corrida. Meti conversa com um moçambicano que estava ali ao pé. Ele explicou-me o sucedido: O rapaz estava com amigos a beber umas cervejas antes do regresso a casa; achou que não devia pagar a última; o dono da barraca chamou a polícia; o rapaz ao ver a polícia pôs-se em fuga; tiro no pé.
Faltava justificar a pontaria do Clint Eastwood moçambicano. O mesmo local explicou-me que era prática comum da polícia atirar ao pé. Nessa altura reformulei a imagem que tinha da polícia moçambicana. Por pouco tempo, o tempo dele acabar a frase – a polícia atira ao pé depois de apanhar o bandido.

O crime aqui pune-se severamente desde que seja preto e pobre. A este rapaz, a cerveja por pagar valeu-lhe um pé furado por bala, e provavelmente ficará coxo para toda a vida. Resta-lhe o consolo de saber que, mesmo assim, constitui uma vantagem em relação aos mentirosos.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Praia e marisco... Marisco e praia (viagem ao Tofo - 2ª parte)



Não havia planos para o jantar e dado o adiantar da hora fomos forçados a aceitar a única solução disponível – Fatima’s Nest – o “chiringuito” mais movimentado da praia. Enquanto aqueciam o caril de gambas a Filipa convidou a malta para pisar a areia e sentir a temperatura do mar. À medida que descíamos as escadas do Fatima’s para a praia, as dunas escondiam a luz artificial e proporcionavam uma visão incrível do céu estrelado.
A areia, de tão fina, quando pisada provoca uma ligeira cócega no pé acompanhada por um ruído estranho, de frequência muito semelhante a outros ruídos menos próprios e por isso perfeita para oportunistas. Eu próprio, apenas a título de experimento, comprovei a camuflagem.
A temperatura da água é um absurdo - perfeita para incursões nocturnas. Deixamos para mais tarde e voltamos ao pé na tábua para tirar a barriga de miséria.
Enquanto ceávamos o Mosca ia explicando os planos e as alternativas do fim-de-semana. À medida que os minutos passavam a casa compunha-se de clientes, que a julgar pelos diferentes tons de pele e idiomas praticados, seriam de todos os cantos do planeta. O ambiente, propício para o convívio internacional, convidou-nos a ficar até à última música e mesmo sem ela levamos o nosso tempo a arredar pé. Aproveitamos o convite de uma portuguesa que gentilmente ofereceu a casa e o conteúdo do frigorífico para dar continuidade à festa. A festa continuou com americanos, sul-africanos, moçambicanos e tugas, até à chegada do segundo grupo (Rui, Jean, Pia, Maria João e Diogo) que partira de Maputo após a jornada laboral.
Com o passar das horas o sol não resistiu a romper e nós correspondemos com companhia na praia do Tofinho, mesmo ali ao lado da casa (do Mosca) que nos dava guarida. Passámos várias horas na água entre conversas, carreirinhas, tentativas de surf, e corpos a flutuar. O tempo, felizmente, parecia não passar. Perguntei a mim mesmo que horas seriam. Avaliei. E só o relógio me fez acreditar que faltavam quatro horas para o meio-dia que eu jurava ser. A essa altura apareceu um “mufana” com duas lagostas e algum peixe a tentar a sorte com a malta de pele branca. Dissemos que era muito pouco para tantas bocas famintas e que teria que trazer pelo menos três quilos. O puto, munido da sua rudimentar espingarda de caça submarina (pau, elástico de borracha câmara de ar, cordel e arpão de arame), desapareceu entre a areia e o mar e só apareceu depois da nossa sesta matinal que se prolongou até à hora pré-prandial. Artilhado de lagosta até aos dentes, ganhou o dia por apenas duzentos meticais (seis euros).
O Chef Rui e o seu braço direito (senhor João) prepararam a iguaria e nós, à mesa, correspondemos com silêncio e sorrisos de deleite.
Pela tarde fomos para a praia da barra. O cenário era um pouco diferente. A praia mais comprida, quase interminável, era separada da lagoa vizinha por milhares de coqueiros e algumas zonas pantanosas. Partilhamos o areal com o mar, a calmaria, e com milhares de caranguejos que apanhavam banhos de sol (e de mar) ao longo de vários quilómetros. Não contentes com o almoço, não resistimos a caçar alguns para o lanche.
Na volta, a Pia teve a excelente ideia de passar pelo Flamingo’s Bay (resort de luxo por cima do pântano contíguo à praia). Aparentemente reservado a hóspedes, invadimos o espaço sem dar cavaca a ninguém e tomamos conta da piscina que se debruçava sobre o pântano salgado. Armados de caipirinhas ficamos na água até ao pôr-do-sol.


Uma breve passagem por casa para um duche de água doce e estávamos prontos para o jantar de aniversário da Filipa e do recém-chegado Nuno. O jantar foi na "casa de comer". As escolhas dividiram-se entre peixe, marisco e carne, ainda que a maioria não tenha querido quebrar a corrente do dia. Eu comi muito bem – santola – e bebi pela mesma medida – vinho branco sul-africano. As conversas vaguearam pelas memórias frescas do dia passado, por gemidos e trincas de prazer, pelo tema que patrocinava a efeméride, por temas sem nexo e por muitas gargalhadas e sorrisos cúmplices. Foi um jantar bem ao nível do resto do dia. No final passamos para a zona lounge. Sentamo-nos nos sofás e bancos disponíveis e formamos um círculo à volta de uma mesa que rapidamente se tornou num amontoado de copos. Brindamos aos aniversariantes a convite do dono da casa que “cavalheirescamente” incluiu o brinde na conta do jantar. Terminamos a noite no Fatima’s Nest, bem ao jeito da noite anterior.

terça-feira, 17 de março de 2009

Nós passamos, mais ninguém passou...

Mais um fim-de-semana a convite do Rui Mesquita. Desta feita para a Suazilândia e com uma equipa diferente. Para além do piloto acompanhavam também a Liz e o Mike (dois Americanos simpáticos amigos do Rui que também vivem temporariamente em Maputo). Às 18h recolheram-se os últimos passageiros e começou mais uma (pequena) road trip.

O trânsito para sair da capital pôs em causa os nossos planos, ameaçando a nossa passagem na fronteira de Namaacha. Por esse mesmo motivo, e depois de passar a portagem da Matola, a marcha que então era lenta passou a Vivace. Levamos cerca de hora e meia a fazer o trajecto Maputo – Namaacha. A Liz e o mike encarregaram-se da banda sonora – enquanto um falava a outra baixava as orelhas e vice-versa, com uma cadência alucinante debitavam monocórdicas palavras invariavelmente sobre o tema “trabalho”. Sempre a abrir!
O primeiro way-point foi alcançado “rés-vés Campo de Ourique”. A fronteira fecha às 20h00 e nós demos entrada às 19h55m. Ainda assim corremos o risco de “bater com o nariz na porta” da alfândega Swazi, sob pena de passar a noite em território neutro – uma vez fechada a alfândega as portas de ambos os países fecham-se e só voltam a abrir às 6h00 do dia seguinte. Nós passamos. Nesse dia, mais ninguém passou.
Entrados no reinado da Suazilândia as diferenças sucediam-se vagarosas: As estradas carentes de buracos eram perfeitamente compensadas pela quantidade de lombas (leia-se, estrutura convexa em asfalto de quinze centímetros de altura que barra a passagem de uma ponta a outra); a quantidade de vacas no meio da estrada fazia jus à reputação Swazi de exportador de carne, e prometia um fim-de-semana de tirar a barriga de miséria; mais curvas; menos gente ou quase ninguém a caminhar no meio e na berma da estrada; organização das culturas agrícolas; auto-estradas; etecetera.
Chegamos ao nosso destino (Mbabane) duas horas mais tarde. Cheios de larica, parámos no primeiro restaurante que conseguimos aberto – Nando’s (resposta do português Fernando ao império Kentucky Fried Chicken). Carregaram-nos o frango de picante e metade da tripulação andou duas horas a saber da barriga.
A nossa estadia na Suazilândia estava garantida pela Liz e pelo Mike. Antecipadamente, tinham reservado o sofá e quatro metros quadrados de chão na casa de umas amigas americanas que trabalham em Mbabane. O encontro com as anfitriãs foi num bar/discoteca de Manzini. Passei algum tempo a conversar com um local, que ao contrário do ambiente aparentemente hostil me recebeu com simpatia e paciência de santo – a tertúlia, sobre o país e a SIDA (e mais tarde sobre racismo), prolongou-se até à hora de abalar.
Para o dia seguinte estava reservado um concerto na “House on Fire” – complexo turístico ou de ócio onde se realizam mensalmente bons concertos. Chegamos por volta das 13h para o brunch. O espaço era bastante aprazível. A partir do alpendre onde comemos, estendia-se um grande relvado (onde em Junho está repleto de gente no “Bush fire festival”) que terminava com um grande campo de milho. Um pouco mais ao fundo, algumas montanhas, bem recortadas, davam conta de que não estávamos em Moçambique. Eu e o Rui pedimos um bife de vitela grelhado que estava delicioso.
Ao terminar a refeição fui à casa de banho fazer o que tinha a fazer. Ainda que o pormenor possa parecer perfeitamente dispensável, o momento de verter águas revelou um detalhe importantíssimo. Na mesma parede que segurava o urinol jazia uma placa que dizia “Jimmy Carter, President of the United States of America, Stood here” – em Português, o Jimmy Carter mijou aqui. Acabei o serviço e saí da casa de banho ainda com um sorriso nos lábios.
A House on Fire tem vários espaços: parte de restauração onde existem vários menus para degustação volante, uma área na parte exterior (à semelhança do raio que o parta) para os mais novos fazerem barulho à vontade, uma galeria de arte (com uma exposição de escultura em madeira de se lhe tirar o chapéu), uma zona lounge, o bar propriamente dito, e a área principal era constituída por um palco abraçado pela pista e bancadas ao jeito de anfiteatro – para os mais românticos e privilegiados havia ainda uma espécie de camarotes suspensos com mesa e luz de vela.
O concerto, principal, começou 16h depois de terminar uma boa massagem, que durante vinte minutos e por apenas 5€ me dei ao luxo de desfrutar. O protagonista deu entrada no palco. A avaliar pela recepção apoteótica depreendi tratar-se de gente famosa e de craveira internacional. O que é certo é que, a começar o segundo tema, os que estavam nas bancadas deixaram os seus lugares aparentemente cativos para se cravarem com unhas e dentes na pista de dança. Volta e meia, o artista para animar o público (ou talvez para seu próprio regozijo) perguntava ao público se “the house is on fire?”, ao que os bailarinos em êxtase respondiam com assobios, palmas, gritos e sobretudo “yeahhh”. Foram algumas horas de concerto e bailarico pela tarde (e noite) dentro. Regressamos a casa convencidos que o dia estaria para romper – era apenas uma da madrugada.
Supostamente, a manhã seguinte seria dedicada a um parque natural. A chuva trouxe preguiça e embalou-nos na cama (leia-se chão) até à hora de almoço. Almoçamos no Royal Swazi Hotel – unidade hoteleira, pérola da Suazilândia, constituída por hotel, spa e casino. Comi um naco de vitela de chorar por mais, por tão só $5.
Depois do repasto fomos dar um mergulho numas piscinas naturais de água quente – as piscinas não eram naturais, ao contrário do que nós pensávamos. Eram de betão bem armado. A água, essa sim, saía da terra a 30ºC. O que proporcionou uma breve pausa de relaxamento ao mesmo tempo que trocava umas impressões com um aquista local.Ainda houve tempo para visitar um pequeno parque natural (Mantenga National Park) onde tivemos a oportunidade de contemplar (a meia distância) as “Mantenga Falls”. O sossego envolvente e o cenário natural fizeram com que o tempo passasse num ápice. E o horário rígido da fronteira ditou a hora imediata de partida. Recolhemos as trouxas e pusemo-nos ao caminho com a mesma pressa com que viemos. Chegamos à fronteira às 19h55m. Nós passamos. Nesse dia, mais ninguém passou.