quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sinabonani




As viagens ao fim-de-semana sucedem-se naturalmente, cada vez mais. A proximidade e multiplicidade de destinos raramente deixam espaço e tempo para o descanso (ou não) na capital. A surpresa e espanto, seja numa paisagem, num animal, numa praia, num novo amigo, num gesto, num repasto, ou num cheiro, começa a ser um hábito. E é essa agradável conotação banal das minhas últimas experiências que desculpa o descuido no registo electrónico.

Maputo é uma cidade relativamente grande. No entanto, a diferença de “castas” reduz a massa de habitantes a um círculo reduzido e restrito de pessoas, maioritariamente estrangeiros e Portugueses. E apesar de constituir uma ferramenta essencial de trabalho (bons contactos, fácil acesso a informação privilegiada, entreajuda profissional, vantagens comerciais, etc.) pesa no mesmo valor (inverso) pela falta de privacidade social. Maputo não é própria para incautos crónicos da flatulência – por outras palavras, não se pode dar um peido sem que o resto da comunidade saiba, comente e opine.
Na sua grande maioria, estes atentos repórteres da vida alheia, com promitente carreira num “24horas”, “o crime” ou pasquim de calibre semelhante, respiram a vida dos outros e fazem questão de a partilhar a quem estiver à mão de semear. De fazer inveja a muitos talk shows pós-prandiais “del corazón”, que eu tanto critico e abomino, a rapaziada do “diz que diz” vai aproveitando para se auto-promover através das fraquezas, na maior parte das vezes especuladas, dos seus amigos e conhecidos. É um exercício comum, odioso e perverso, com repercussões muitas vezes irreversíveis na promessa “life quality” que a capital indicia à chegada – talvez o maior defeito de Maputo (não dos Maputenses).

Enfim, será um bom objecto de reflexão para um próximo artigo. Servem apenas os últimos parágrafos para excluir alguns dos meus amigos, nomeadamente e sobretudo a companhia deste último fim-de-semana, da frívola classe que referi anteriormente.
O primeiro de Maio serviu de pretexto para um festival de reggae na Suazilândia. Não tanto pelo festival, mais libertino que liberal, e por isso um pouco fora do enquadramento da ordem do dia (1º de Maio), aproveitei a dica para viajar novamente até ao diminuto país vizinho, em boa companhia.
Chegamos com tempo suficiente para encontrar um alojamento para o fim-de-semana e fazer algumas compras de supermercado antes de entrar no recinto do espectáculo. De sublinhar a qualidade e variedade de produtos, por comparação a Moçambique, que encontramos naquele supermercado – senti-me como um miúdo africano no “toys r us” ou de regresso, por momentos, ao meu insubstituível pingo doce. As meninas aproveitaram para comprar adereços para entrar em apoteose no recinto festivo – um espécie de bandolete/coroa com luz intermitente, bem ao estilo de miss universo (versão pimba).
Ficamos alojados no Legends, um backpackers de baixo orçamento (vulgo, pardieiro) onde iríamos partilhar camarata e ressonâncias com mais sete pessoas (isto é, dez pessoas em cinco beliches). Enchemos a blusa com duas ou três sandochas cada um e seguimos para o “One Love Festival”.
As minhas expectativas não eram muito altas quanto à qualidade das bandas e talvez por isso tenha voltado a casa com surpresa positiva. Apesar de ter um grande apreço pelo seu impulsionador (ou talvez fundador) Bob Marley e alguns dos seus mais recentes seguidores (Patrice, Jason Mraz, Julian Marley, Manu Chao, etc.), o reggae não faz parte das minhas escolhas favoritas. Serviu por isso, também, para aprender alguns pormenores sobre o estilo musical e religião adjacente – Stolen from Africa, brought to America.
A casa (Old Greyhound Stadium, em pleno vale de Elzwini) estava a um terço da sua capacidade máxima. O ambiente era descontraído, por vezes demasiado, fruto do ritmo da música e dos estupefacientes consumidos compulsivamente pela grande maioria - indissociáveis da religião rastafari.
Depois de jantar e da retirada do casalinho paulista voltei a aproximar-me do palco. Recebi com surpresa a deliciosa actuação duma intérprete local, com quem mais tarde tive a oportunidade de privar e trocar algumas impressões. Depois disso ainda insistimos ficar mais mas o cansaço forçou-nos a recolher aos nossos precários aposentos (que naquela noite tiveram sabor de figo).
No dia seguinte acordámos quando acordámos. Sem hora marcada e sem plano bem definido.
Na Swazi existe um leque de actividades para preencher as horas vagas dos turistas. Nesse aspecto, e noutros também, está muito melhor preparada que Moçambique. Dos variadíssimos programas (rafting, caving, quad, game view, horse riding, etc.) optamos pelo Bike Safari – e foi tiro certeiro para animar a tarde de sábado. Infelizmente não tivemos a companhia do quinto elemento que, à luz da famigerada filosofia “amigo não empata amigo”, comungada pela totalidade do grupo, nos preteriu por um programa alternativo (we missed you, dulcinea del toboso).



Começamos a nossa tour, atrás do simpático guia “Sito” (em inglês gift, frisou) sem saber muito bem o que nos esperava. Partimos com a ajuda de todos os santos até chegar à primeira subida que anunciava a chegada da primeira aldeia. Assobiei por momentos o tema do “Verano Azul” mas ninguém acompanhou, talvez por desconhecimento, fruto da idade ou proveniência, ou simplesmente pela falta de fôlego. Lado a lado com o guia fui aprendendo e pondo em prática algumas palavras no dialecto local. Os nativos respondiam com orgulho e espanto aos meus cumprimentos recém-assimilados – fui despachando “Sinabonani” (how are you, segundo Sito) a todas as pessoas com que me cruzava. Depois de várias pedaladas demos entrada na reserva natural do vale de Elzwini onde o Sito nos fez uma pequena introdução ao nosso passeio. Soubemos alguns pormenores sobre a família real Swazi (costumes e rituais) e sobre o que poderíamos encontrar na reserva. De registar o adereço que cobre as vergonhas masculinas dos nativos – uma bola oca, com orifício à medida para o dito cujo – que deixou alguns dos presentes de boca bem aberta. O guia, ante a surpresa da Filipa pela dimensão do ornamento (muito semelhante a uma bola de golf e orifício de diâmetro impróprio para africano – não cabia o dedo mínimo) acrescentou que havia outros tamanhos com sorriso viril e orgulhoso.
O safari propriamente dito foi uma experiência excepcional. Para além de ser o meu primeiro, a proximidade que a bicicleta proporciona (ou obriga) com os habitantes do parque (veados, gnus, zebras, hipopótamos, crocodilos, javalis, etc.) deu um toque especial ao meu baptismo. Com o ameaçar do crepúsculo, regressámos em marcha “presto” sob pena de não enxergar o caminho de volta.
O jantar foi no Malandela’s. Tiramos a barriga de miséria com um bom naco de vitela, amparado por um shiraz sul-africano, enquanto recordávamos a fresca experiência da tarde. Aproveitei para verter águas, pela segunda vez, onde outrora o Jimmy Carter deu o ar da sua graça (ver artigo “nós passamos, mais ninguém passou). A soirée seguiu-se no hostel no mesmo registo do jantar. Tivemos ainda a companhia de um norueguês que passou e ficou. Acabou por ser o centro das atenções, quer pelo figurão, quer pelos temas absurdos e surreais, quer pela pelo jeitinho propositadamente “maricôncio” (presumo que, na expectativa de encontrar afinidade com algum dos presentes).
No domingo partimos, sem pressa, para Maputo. A meio da viagem fizemos um desvio, ainda na Suazilândia, que daria lugar ao meu segundo safari. Entramos noutra reserva natural, desta feita na expectativa de encontrar o rei da selva. Apesar de não descortinarmos nenhum felino valeu pelo encontro com alguns portentosos rinocerontes.
Continuamos para Maputo, com pausa obrigatória e prolongada na fronteira, bem ao estilo Moçambicano. Cheguei à capital com mais uma excelente experiência no palmarés e somei algumas cumplicidades que vão cimentando a amizade que tenho por aqueles que me acompanharam (tks).

Um comentário:

  1. diga se de passagem; dividi com vocês meu segredo "mor" - top secret... agora tá mais que cimentado a amizade hahahaha

    beijo grande
    Thá

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