segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Altruísmo

Na sequência das primeiríssimas impressões, passei a registar os acontecimentos dos primeiros dias em Moçambique. Logo no primeiro parágrafo, enquanto descrevia as primeiras pessoas que conheci, utilizei o termo altruísta. Depois de reler o texto calmamente, senti-me na obrigação de, em jeito de agradecimento, esclarecer qual o significado para mim do adjectivo usado.
Isto porque, há palavras que nem para todos significam o mesmo, e vice-versa. Muito para além do contexto e das circunstâncias em que são usadas, as palavras dependem da interpretação antecipada e sobretudo da moral e valores de quem as usa.
Doa a quem doer, proponho-me fazer um exercício de raciocínio nos próximos parágrafos e dissertar sobre o conceito.

Altruísmo? A maioria dos cristãos associa normalmente, à semelhança da vida que deu luz à sua doutrina, àquele que dá sem receber. Muitos (incluindo aqueles que escrevem dicionários) atribuem o sinónimo de filantropo. Outros menos complicados definem-no, por oposição à maldade, ao que pratica o bem. De uma forma mais técnica, antónimo de egoísmo. E sem grandes excepções, de uma forma geral, o conceito é definido à luz do seu criador Augusto Comte.
O grande problema está na interpretação desse mesmo conceito. Cada um interpreta à sua maneira – como pode, onde pode, e sempre que pode. A maior parte, como lhe convém.
Os maus exemplos são de perder a conta: Aquele que dá vinte paus ao ceguinho e no mesmo instante está a saldar contas com a consciência, convencido de que através da partilha de uma ínfima parte da sua riqueza (patrimonial) pode comprar parte ou a totalidade dos seus atrozes pecados; Mentirosos piropos na esperança de reciprocidade; Políticos à procura de votos, camuflados por obras de caridade; oferendas à igreja (a crédito) na expectativa de agradar ao Criador e ver num futuro próximo os seus desejos realizados; etc.

A minha perspectiva sobre o tema é bastante fria e calculista. Fria porque não dou espaço para o meio-termo, isto é, ou é bom ou é mau. E calculista porque trata a bondade (ou maldade), que classifica a acção de altruísta ou não, de uma forma contabilística (ou de merceeiro, como queiram).
O ser humano, sem excepção, é interesseiro. Não dá ponto sem nó. E por isso é necessário um método para conseguir classificar o altruísmo daqueles que à partida, por força da sua própria natureza (egoísta), não o podem ser.
Trata-se portanto de um método de dupla partida - o que se dá, o que se recebe e o saldo que se obtém com cada uma das nossas acções. A balança tem que estar sempre equilibrada, seja com lucro ou prejuízo.

Repare-se na diferença entre três indivíduos que dão esmola ao pobre: um deles, fá-lo apenas como exercício de sublimação, isto é, auto-convence-se de que é boa pessoa pelo facto de ajudar o mendigo (sendo essa é a sua única intenção ou cobro) e considera-se assim absolvido, pronto para voltar a prevaricar; outro, que parti-lha a mesma ninharia na expectativa de projecção social (caso da maioria dos filantropos), isto é, nunca daria se outros não soubessem da triste proeza; um outro, que o faz a troco do bem-estar que a mesma bagatela proporciona.
Em ambos os casos o movimento das contas é simples: imagine-se creditar a conta “trocos soltos no bolso de suposto altruísta” por débito na conta “pobre coitado que aceita de bom grado a bagatela mas não tem formação suficiente para questionar a sua posição na cadeia económica”. A diferença está no saldo de cada uma das acções. Apenas o saldo do último indivíduo é passível de ser considerado bom (altruísta), dependendo porém do valor que este dá à esmola (bem-estar do pedinte) em relação à respectiva recompensa (felicidade e bem-estar por saber ter ajudado alguém carenciado) – sendo que este rácio é directamente proporcional ao egoísmo de cada um, ou seja, quanto maior mais egoísta.
Por outras palavras, devemos saber conviver com os demais abdicando parcialmente, sempre que possível, da relação umbilical que temos com o nosso ego. Utilizando para isso os valores que educação e o bom senso nos obrigam a aplicar.

Altruísta é portanto, aquele que dá e recebe. Sempre sem ter em conta o que vai receber, o que na maior parte das vezes faz com que receba mais do que o que dá (ex. a satisfação de ver uma criança com um brinquedo é muito maior do que o preço do mesmo; uma boa gargalhada à troca de uma anedota bem contada; ou um doce sorriso de quem recebeu uma flor ou um beijinho).

Findo o meu raciocínio, passo a apresentar os verdadeiros altruístas, os que me receberam em Maputo, a quem não devo nada, mas devo muito ou quase tudo: Ana Amial, Jean, Maria João, Rui Mesquita, Filipa Cardeano, Nuno, Pia, Pedro Mosca e Nuno Adão.
Obrigado.

Um comentário:

  1. Muito Bom, olha uma coisa.

    Estás enganado um altruista, acaba por sempre receber algo, não tangível mas que te preenche por completo.

    O ajudar involuntáriamente ou o bem receber automático (neste caso), é algo que fazemos aos que, de uma forma ou outra nos proporcionam bons momentos, e tu meu caro António estás lá (ou seja enquandras te a 100% neste perfil).
    Mais, enquadraste te perfeitamente no perfil que descreves no teu blog, daí achar que te deverias incluir na parte dos agradecimentos ahahaha.

    Um grande abraço,

    PS-as boas pessoas reconhecem se a distância, como é que achas que conheci a LAURENTINA

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