segunda-feira, 6 de abril de 2009

Inhaca


Depois de várias promessas à minha amiga Maggy e também por insistência e conselhos de vários amigos e familiares, reservei o fim-de-semana para conhecer um pouco da ilha de Inhaca, mesmo aqui em frente a Maputo.


O voo estava marcado para as oito da manhã. Chegámos com uma hora de antecedência para o check-in. Tive ainda a oportunidade, antes de embarcar, de cumprimentar Mia Couto (que estava de partida para Lisboa) e agradecer as deliciosas leituras que me tem proporcionado. À passagem pelo detector de metais fomos avisados que seria a última vez que nos deixariam voar com garrafas nas mochilas – agradeci com o respectivo refresco (entenda-se gratificação). Às oito, como previsto, entrámos no “chapa voador” e rumámos ao fim-de-semana propriamente dito.
A viagem, de quinze minutos, foi bastante interessante. As vistas, sobretudo para a ilha dos Portugueses, são magníficas – lembram fotos de revistas, que muitas vezes desconfiamos existirem de verdade. O comandante fez-se à ilha com distinta classe e arte, e teve direito a aplauso colectivo.
À nossa espera, entre um sorriso que esconde embaraço e contentamento, estava a nossa querida amiga Maggy Horiuchi. Pegámos nas nossas malas e lancheiras e fomos saber de alojamento para os restantes membros do grupo. Em poucos minutos chegámos ao “Manico Camp”, um complexo low-cost para backpakers composto por várias cabanas, e cozinha e lavabos de uso comum. Eu e o Hugo, porque fomos os primeiros e inicialmente os únicos a confirmar a nossa ida, fomos prendados (pela Maggy) com aposentos de luxo, a preço mais do que low-cost (vulgo, de borla), no prestigiado hotel lodge Pestana.
Provavelmente graças à simpatia contagiante da anfitriã, um dos seus colegas de trabalho sugeriu e ofereceu a viagem à ilha dos Portugueses e mais tarde à ponta de Santa Maria. Poucos minutos depois aí estávamos nós no barco do hotel rumo à ilha que, de nome, nos toca por direito. Com direito a escolta de golfinhos, encalhámos na ilha aparentemente deserta, com entusiasmo e estilo conquistador bem ao jeito “verano azul” – vários quilómetros de praia circular só para nós e para dois casais que nos acompanhavam no barco.
Alguns mergulhos e recolhi ao guarda-sol para recompor o sono que a noite anterior em Maputo me havia roubado – a capital não pára, sobretudo ao fim-de-semana e no que toca a ócio e espectáculos a agenda está sempre bem recheada de eventos irrecusáveis (esta sexta-feira foi a vez de Adriana Calcanhoto e outros músicos locais tão bons ou melhores). Regressámos à Inhaca para almoçar e integrar a Maggy (que acabava de trabalhar) na comitiva.
Subimos para a parte de trás do Defender de caixa aberta e acomodámo-nos nos bancos corridos. A viagem até à ponta de Santa Maria não terá mais de cinco quilómetros de distância, mas desde logo fomos avisados pelo simpático motorista “Carlitos” que demoraríamos cerca de vinte minutos a chegar. A não ser a Maggy, ninguém estava à espera de uma viagem tão alucinante. O piloto, com o pé direito descalibrado, fez-se ao mato a todo o vapor. Nalgumas partes do caminho a vegetação era tão densa que formava um túnel natural, onde o carro cabia à justa, que se estendia por várias centenas de metros. Carregados de adrenalina, atentos às investidas dos galhos que muitas vezes sobravam para nós, fomos curtindo o giro de olhos bem abertos para não perder pitada. De quando em vez, à passagem pelas pequenas povoações (aldeias familiares com quatro ou cinco palhotas), éramos brindados com saudações (ou impropérios!) em shangana. E os mais novos, que às vezes eram às dezenas, corriam atrás do bólide, mais do que as pernas lhes permitiam, e alguns empoleiravam-se em cima da matrícula, imunes ao susto e ao perigo, e partilhavam por alguns minutos a nossa viagem. A certa altura, já quase a chegar, o Pedro, oportunamente, lembrou-se de trautear o tema principal da banda sonora do Indiana Jones – e todos cantarolámos à mistura com largos e duradoiros sorrisos.
A ponta de Santa Maria é uma pequena baía, numa das extremidades da ilha, muito conhecida pelos recifes que servem de abrigo e alimentam uma panóplia de espécies subaquáticas. Cercada por uma vegetação praticamente intransponível, esta pequena praia não é propriamente uma atracção para os amantes dos banhos de sol, da “siesta” à beira mar ou das contruções na areia – o areal, ainda que comprido tem uma largura que apenas acomoda uma toalha esticada quando a maré está vaza. Talvez por esse motivo não tivemos que dividir a praia com ninguém. Mascarámo-nos com os óculos de mar, calçámos as barbatanas e começámos a nossa modesta aventura “Costeauniana”.
Assim que imergi a peixaria não se fez esperar para me dar as boas vindas. Várias cores e formas - feios e bonitos, pequenos e grandes, tímidos e extrovertidos, medricas e indiferentes, familiares e nunca jamais vistos - ali havia peixe para todos os gostos e feitios. Com os braços colados ao tronco, fui barbarteando o corpo harmoniosamente por entre as rochas e recifes, tal qual o “Homem da Atlântida” me havia ensinado nas tardes de tv da minha infância. Para a última meia hora estava reservada a melhor parte. Aproveitei a chegada de um grande cardume para fazer parte do conjunto. Eram predominantemente amarelos, de forma losangular e do tamanho de uma mão pesada. Indiferentes à minha presença apenas se afastaram para me deixar entrar no grupo e logo voltaram a fechar a roda. Às vezes aceleravam o passo (ou a barbatana) para responder ao meu excesso de confiança quando tentava tocar – não me toques que me desafinas, diziam. Ali bem no meio do reboliço submarino, em êxtase, nadava de barriga para cima e perdia-me no tempo enquanto tentava gravar na retina a visão do momento. O folêgo era o único que me incomodava ali em baixo e dava conta da minha condição de humano. Emergi e repeti o convívio marinho até ao final da tarde. Regressámos depois de um pôr-do-sol, inigualável, que contrariamente ao habitual desapareceu no mar. A volta teve o mesmo entusiasmo da ida, com a diferença que era de noite e as atenções centravam-se no céu estupidamente estrelado, sempre que as árvores permitiam.
A alvorada dominical teve a luz solar como sinal e seguiu-se com mergulho na piscina de água salgada do hotel. Às oito peguei na prancha à vela (actividade incluída no pacote do fim-de-semana) e passei a manhã a desenferrujar a minha longínqua afinidade com o windsurf. A manhã de desporto terminou por força de um ouriço do mar que fez questão de se atravessar no meu caminho – doze espinhos no pé que ficou coxo e a promessa de não voltar a andar sem calçado apropriado em águas desconhecidas.
Depois de almoço assistimos, via tv, ao aguardado jogo dos “Mambas” (resposta Moçambicana à alcunha Portuguesa “Tugas”) que defrontavam a reputada selecção Nigeriana, numa partida disputada “taco a taco” com desfecho exécuo.
Volvemos a Maputo, com a promessa de voltar, num “Cesna” que fretámos a um conhecido da Maggy.

Um comentário:

  1. Para grande pena minha, das duas vezes que andei por essas bandas não tive oportunidade de me cruzar com Mia Couto (snif), cujos livros proporcionam autênticas odisseias a essa terra mágica...
    Parabéns pelo blog, bela escrita.

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