Recordo continuamente uma sms que recebi por volta do fim de ano, não sei ao certo qual ano, que de forma peculiar resumia amizade. A quadra natalícia é propensa ao consumo em massa e, nos últimos anos, à troca desmesurada de mensagens. Os minutos que antecedem a efeméride são marcados tipo sinal horário pelo meu telemóvel que apita sms como se não houvesse amanhã. Nunca respondo. Essa mensagem dizia: Os amigos são como as nádegas, merda nenhuma os consegue separar.
Essa pitoresca clareza sobre amizade e estima, recebida mais de uma dezena de vezes nessa mesma noite, ficou cravada na minha memória como se fosse uma daquelas músicas que ouvimos apenas uma vez e passamos dias a trautear contra a própria vontade. Não obstante, inseparáveis só mesmo as nádegas. Os amigos separam-se sempre, inevitavelmente, até mesmo em pensamento.
Há três anos que estou fora de Portugal.
Tenho conhecido muitas pessoas interessantes. E são essas coexistências que dão significado à vida errante que decidi para mim. Experiências que moldam a minha personalidade e desviam o meu caminho daquilo que, imediatamente antes do convívio, julgava certo. Recordações que ficam inscritas no pensamento e que revejo a meu bel-prazer, bastando um aroma, música, silêncio, objecto, paisagem, palavra, frase, gesto, sorriso, fotografia, filme, etc., em jeito de catalisador para me despertar a memória.
Nada é eterno, só o tempo. Servem-me de consolo as reminiscentes vivências que vou coleccionando na minha vida, estupidamente minúscula.
Apenas me revolta a dificuldade que tenho em lidar com a separação, com o inadiável e impiedoso adeus. Em aceitar a passagem, a fase. Em reconhecer a solidão inalienável da condição humana. Em voltar a mim. Em não saber usar instantaneamente as boas recordações.
E revolto-me!
Onde está o Yan Tsen Yuh (Mario), pequeno agitador do universo, esse meu querido amigo chinês que me proporcionou deliciosos manjares e risotas do mesmo calibre? Onde está o Nicola Monaco, siciliano que me apresentou os prazeres do Nero D’avola e me ensinou a degustar parmigiano com mel, numa tarde que nevava em Parma ao som de Diego el Cigala e Bebo Valdés – En la vida hay amores que nunca pueden olvidarse? Onde está o Gustavinho, exímio narrador do “show dji bola” e companhia inigualável de roadtrip – é o tic-tac do tempo, o toc-toc da bola, é fogo no aventáu do pasteleiro? Onde está a Maylo? E as Marias, Mancha, Rodriguez, e Europa? E a Mercedes? Onde está a Berta, vicina del mio cuore? E o Carlitos Ribes? Ou o Eloy?
A todos eles afiancei amizade eterna, repetidos reencontros, troca de correspondência assídua, e um sem fim de promessas que, à partida, nunca seriam cumpridas – e não foram. Só naquele momento de despedida, perdidos na envolvente narcótica de “Cuando un amigo se va, algo se muere en el alma”, é que nos recusámos a perceber essa evidente conclusão de mais uma etapa da vida - é tão difícil interiorizar o fim!
E esperamos. Em anseio esperamos que o tempo cure essa necessidade imediata de reviver esses bons momentos - e ele cura, lentamente. E àqueles que temos a sorte de rever, um dia mais tarde, reservamos a explosão de emoção e alegria. As memórias. As cumplicidades que se decifram apenas com dialecto ocular. Que perguntam “lembras-te?”. E alargados e coniventes sorrisos acompanham, em câmara lenta, um bom convívio de reencontro. E chega a maturidade da relação.
Até já Pião!